Gertrudes nasceu no dia 06 de janeiro de 1256. Nada se sabe sobre seus pais, donde se supõe ter sido órfã, nada se sabe sobre o local de seu nascimento. Sabe-se, apenas que, ainda criança, com cerca de 5 anos, ingressou no mosteiro de Santa Maria de Helfta, próximo de Colônia, na Alemanha. Na época este mosteiro estava sob a direção da abadessa Gertrudes de Hackeborn. Neste mosteiro ela permaneceu a vida inteira. Quando atingiu a juventude, foi admitida como monja religiosa deste mosteiro feminino, que era de orientação beneditina.
Dentro do Mosteiro Beneditino de Helfta se seguia uma disciplina religiosa relativamente rígida, visto que elas se propunham seguir a vida religiosa de acordo com a reforma cisterciense de São Bernardo. Teve acesso a uma boa formação intelectual, espiritual e teológica. Levava, segundo o seu próprio testemunho, uma vida cristã e monacal pouco expressiva, fazendo os seus exercícios de piedade cotidiana com uma certa superficialidade e tibieza, preferindo as leituras e os estudos da farta literatura da biblioteca do Mosteiro. E se dedicava com pouco entusiasmo às coisas da vida espiritual. E diz ela, que depois de algum tempo, começou a sofrer de uma forte desilusão, aborrecimento e melancolia com a vida tão vazia e superficial que levava. Ela mesma fez uma avaliação desta sua vida, com um certo exagero, dizendo que: A alma, uma vez privada do sabor da devoção, acaba fazendo as coisas do serviço a Deus e os seu deveres cotidianos, de uma forma maquinal e sem entusiasmo (p . 14). Ou ainda, com uma certa hipérbole ditada pela sua humildade, disse: Não teria tido nenhum remorso – se estivesse vivendo no mundo – de ter seguido o atrativo do meu instinto em tudo e por tudo, se tu não me tivesses guardado , seja por uma repugnância natural ao mal e um gosto pelo bem, seja pelas admoestações dos que me rodeavam; teria vivido como uma pagã entre pagãos (p. 15).
As crises de melancolia depressiva e de aborrecimentos, diante daquele estilo de vida de silêncio, de oração e de solidão começaram a aparecer no esplendor da sua juventude, aos 25 anos de idade. Durante o Advento do ano de 1280, Gertrudes caíra prostrada em sentimentos de frustração, pela sua vida religiosa e monacal. Segundo ela, em suas confidências, chegou a dizer que: Se por um lado sentia insuportável aquele jugo suave e aquele fardo leve da observância regular, por outro lado o meu coração se achava tão angustiado que só podia sentir desgosto por não poder desfrutar das loucuras e lascívias da idade juvenil (p. 16)! O seu coração clamava por alguém que ela pudesse compartilhar todo o seu amor e a sua dedicação. Desejava ter alguém que pudesse conversar e compartilhar as suas angústias e alegrias; e com quem pudesse extravasar aquilo que ela trazia em sua alma e em seu coração! Como monja, dedicada à oração e em contato íntimo com Deus, poderia perfeitamente fazer do Senhor o seu confidente e o amor de sua vida. Ou ainda, junto às suas irmãs, numa intensa vida fraterna, poderia perfeitamente suprir estas necessidades humanamente naturais de amizade e amor fraterno. Mas, como ela tratava estas coisas com certo desleixe e superficialidade, a vida religiosa tornara-se aborrecida e vazia. Gertrudes caíra num estado de profunda tristeza e melancolia! Como disse a própria Gertrudes: A agitação confusa de um coração enfermo de solidão se mesclava com esta desilusão (p. 16).
Entretanto, tudo mudou em sua vida, no dia 27 de janeiro de 1281, quando o próprio Jesus decidira aparecer àquela jovem religiosa, que se encontrava em um momento de grande crise de fé, e que perdera o sentido da vida cristã e religiosa; apesar de estar vivendo dentro de um mosteiro e estar cumprindo, de certa forma superficial, os compromissos da vida religiosa. O que Gertrudes estava passando era algo muito parecido com o que muitas outras religiosas e fiéis cristãos estavam passando. São crises existenciais e de fé que, homens ou mulheres, cristãos católicos, mesmo os enclausurados em conventos, podem experimentar em algum momento da vida. Era algo de extrema importância para todos os cristãos, de todos os tempos e lugares, quer sejam eles religiosos ou religiosas, leigos ou leigas, sacerdotes ou bispos. Todos precisam, em algum momento da vida, do socorro e do apoio de um ombro amigo, e, sobretudo, da presença amável do Confidente Divino: o Nosso Senhor Jesus Cristo! Gertrudes passava por uma crise de fé, que atingia os valores mais profundos da religião católica, que era aquele relacionamento íntimo e amoroso com Deus, que todo discípulo ou discípula de Cristo deveria ter, pessoalmente, com Nosso Senhor Jesus Cristo. Todos deveriam ter um relacionamento espiritual e amoroso, repleto de bons sentimentos, de ternura, de piedade e de espírito de sacrifício por amor a Deus. Um relacionamento esponsal, semelhante àquele relacionamento que a esposa tem para com seu amado esposo, ou o esposo tem para com sua amada esposa! E este relacionamento com Deus deveria acontecer com quem quer que seja: quer seja homem ou mulher; jovem, criança, adulto ou idoso. Todos precisam estabelecer uma relação muito estreita com Jesus Cristo: imitando-o, amando-o, obedecendo-o nos seus preceitos e nas suas sábias palavras, seguindo-o como discípulos e discípulas, abraçando a cruz de cada dia com paciência, humidade e espírito de sacrifício, assim como Ele o fez. Era necessário que todos os cristãos e cristãs, discípulos e discípulas de Cristo, estivessem dispostos a combater, arduamente, o mal e o Maligno, para serem merecedores da comunhão atual com nosso Senhor Jesus Cristo e de obterem a salvação, para entrar definitivamente naquela comunhão eterna com Deus, no Reino dos Céus!
O Nosso Senhor Jesus Cristo que apareceu à Santa Gertrude, e que, desta forma, deu início à devoção ao Sagrado Coração de Jesus, não aconteceu da mesma forma como Ele apareceria, mais tarde, à Santa Margarida Maria de Alacoque, muitos séculos depois. Ele apareceu à Santa Gertrudes, de improviso, na noite de 27 de janeiro de 1281, exatamente no dormitório das monjas, momentos antes de elas se deitarem para dormir. Ele apareceu, ali, naquele momento, somente à Santa Gertrudes, de uma forma inusitada e singular, que nunca fizera antes, em toda a história da Igreja Católica. Ele apareceu na forma de um jovem adolescente, de beleza encantadora, dirigindo-lhe as palavras com extrema brandura, bondade, suavidade. Foi um verdadeiro encontro, que a deixou profundamente impressionada! Finalmente Gertrudes encontrara o seu Amado que tanto almejava encontrar! Encontrou o seu Amigo, o seu Esposo, o seu Confidente com quem ela pudesse extravasar o seu coração! Neste encontro com Jesus, Gertrudes – que até então estava ferido de solidão, triste e melancólico, carente dos amores de um amigo ou de um esposo – finalmente ela encontrara aquele que lhe dera sentido ao seu viver, tornando-a feliz e realizada! Jesus, ao aparecer à Santa Gertrudes desta forma, quis deixar a todos nós, fiéis cristãos católicos – discípulos e discípulas de Jesus -, de que todos nós – assim como à Santa Gertrudes – precisamos e somos profundamente carentes de uma relação íntima e esponsal com Ele; repleto de bons sentimentos, de amor e de piedade espiritual, com o nosso Senhor Jesus Cristo.
Santa Gertrudes de Helfta (1256-1302), Vida e Exercícios Espirituais. Juiz de Fora, MG: Ed. Subiaco, 2013, 2ª edição.
WhatsApp us