1. 1. Caríssimo e verdadeiro amigo de Cristo! Nós vamos dedicar todo esforço de nossa Inteligência para apresentar, com toda clareza, este mistério tão complexo e profundo, que é a doutrina da Encarnação do Verbo. Em obra anterior, já havíamos tratado de forma superficial este tema, quando falávamos sobre a idolatria dos gentios. Estes homens primitivos, infelizmente se deixaram levar por tal erro, inventando os seus ídolos, levados por um temor supersticioso e pela malícia de seus próprios corações, que os induzia a conceber tal idolatria. Quando tratávamos sobre a idolatria, em obra anterior, já tínhamos dado algumas indicações sobre: a divindade do Verbo; a Providência divina; e o poder universal do Verbo de Deus.
Nós, nesta obra, caríssimos amigos de Cristo, haveremos de seguir a doutrina da Encarnação do Verbo, revelada pelo Apóstolo, que nos diz: “O Pai, em sua bondade, por meio do Verbo, tudo ordenou, por ele tudo move e nele tudo vivifica” (At 17, 28)! Portanto, de acordo com a fé de nossa religião, vamos prosseguir, com todo cuidado, em nossa narrativa sobre a encarnação do Verbo e sobre a epifania de nosso Senhor Jesus Cristo, neste mundo! Nós sabemos e estamos cientes de que esta doutrina da encarnação do Verbo não é muito bem acolhida nem pelos gentios e nem pelos judeus; mas, todos nós que professamos a fé cristã, a recebemos com toda reverência e piedade. Os judeus a caluniam e os gregos dela zombam (Cf. 1Cor 1, 22); mas nós a adoramos. Desta forma, ó amigo de Cristo, aquela aparente humilhação do Verbo, ao assumir a condição humana, dar-te-á motivos para intensificar ainda mais a tua piedade em relação ao Senhor Jesus!
2. Caríssimo amigo de Cristo, não te perturbes em teu coração! Quanto mais os infiéis ridicularizam a encarnação do Verbo, tanto mais eles atestam a sua divindade! Pois o Verbo revela coisas sublimes, que ultrapassam a compreensão da mente humana. Por isso, os homens julgam ser impossíveis tais coisas, levando-os a zombar daquilo que não compreendem em sua insensatez, ou não a admitem, por achar inconveniente à divindade, que a encarnação do Verbo pudesse ser possível. Mas o próprio Verbo Encarnado nos mostra que tal encarnação é perfeitamente adequada à sua bondade! Nós, entretanto, acreditamos que o Verbo encarnado seja igualmente divino e humano, pois ele próprio se revelou a nós em todo o seu poder divino e em toda a sua fragilidade humana (Cf. 1Cor 1, 22-24). A sabedoria dos homens, ri e zomba deste Verbo encarnado, por não acreditar na sua condição divina, considerando-o apenas em sua débil e frágil humanidade. Entretanto, por incrível que pareça, a própria humilhação de Cristo na Cruz, derruba os ídolos ilusórios. Os gentios são levados, agora, a refletir em seus corações, fazendo com que os zombadores e descrentes de outrora, ocultamente se convertam, fazendo com que reconheçam o Verbo encarnado em todo seu poder e divindade!
3. No entanto, faz-se mister que saibas, ó amigo de Cristo, por que motivo e qual foi a causa de o Verbo do Pai – tão grande e poderoso – vir a se manifestar humildemente em forma corporal, neste mundo. E, que não penses que ele tenha vindo ao mundo, da mesma forma como nós nascemos neste mundo, em consequência de efeitos naturais. Ao invés disto, o Verbo de Deus – de natureza divina e incorpórea – se encarnou numa natureza humana, em Jesus Cristo; manifestando-se, assim, em um corpo humano igual ao nosso! Eis o motivo e a causa da encarnação do Verbo de Deus: a filantropia e a bondade de Deus Pai por nós, e a solicitude de Deus em prol de nossa salvação!
4. E, finalmente, convém fazer uma distinção entre o Deus Criador e Deus Salvador. Pois, o Verbo de Deus que realizou a criação, junto com o Pai, é o mesmo Verbo do Pai que realizou a salvação do gênero humano! Por isso, haveremos de falar primeiro da criação do universo, pelo poder do Verbo Criador, e, a seguir, falaremos sobre o Verbo Salvador! Assim sendo, convém falar primeiro da criação do universo realizada pelo Deus Criador, lá no princípio, para, em seguida, poder contemplar devidamente a renovação do gênero humano, operada pelo Verbo Salvador, nestes últimos dias. Não pode haver contradição alguma entre o Verbo Encarnado, que operou a salvação da criatura humana, e aquele mesmo Verbo do Pai, que fora, lá no princípio, o mediador da criação de todas as criaturas!
Santo Atanásio, Patriarca de Alexandria e Doutor da Igreja (295-373). A Encarnação do Verbo, São Paulo, Paulus, 2002, p. 123-124.
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